Recentemente, li alguns artigos
que teimavam em tratar da distinção entre “viajantes” e “turistas”.
Pessoalmente, acho esse tipo de discussão absolutamente inócua, até porque ela
se baseia em premissas muito falsas.
Para quem nunca leu ou ouviu algo
a respeito, a diferença entre essas duas “classes” de pessoas residiria no fato
de que o viajante, ele sim sabe viajar, não frequenta pontos turísticos, não é
“sem noção”, capta a essência dos lugares que visita e conhece lugares
espetaculares, ignorados pelos simples turistas. Estes, por sua vez, seriam
aqueles que andam em grupos, não têm noção de nada, fotografam tudo, enfrentam
filas enormes para visitar pontos turísticos e pagam caro por refeições
insossas em lugares frequentados apenas por turistas. Ah, ainda compram os
famosos souvenires, que, no Brasil, chamamos mais de “lembrancinhas”.
A bobagem, no meu ponto de vista,
é que a maioria das pessoas não se enquadra em uma ou em outra categoria. A
pessoa comum é uma mescla dessas duas coisas. Nem todo turista anda em grupo,
fala alto, fotografa tudo e só frequenta pontos turísticos. Tomo por base
minhas viagens e as feitas pelas pessoas que conheço, tanto em minhas relações
pessoais ou profissionais.
Aliás, qual o problema de visitar
pontos turísticos? Pode ter fila, ser caro, mas imagina só ir pra Paris e nem
chegar perto da Torre Eiffel... Uma vez só, pra apreciar, fotografar ou até
mesmo ir só pra fazer uma cara blasé e dizer que não gostou, que não valeu à
pena...
Por outro lado, embora as viagens
dos “viajantes” possa ser muito rica em experiências locais e cheias de lugarezinhos
desconhecidos, pitorescos, verdadeiros tesouros de viagem, imagina só que coisa
chata visitar uma cidade, um país e não conhecer o que ela/ele tem de mais
famoso... Sem graça, não? Sempre irão perguntar se você chegou a ir ou não a
determinado lugar. Normal.
O que eu achava é que há pessoas
que estão mais e outras menos acostumadas a viajar. Daí, tentava justificar a
falta de noção – e muitas vezes, de educação – de muitos turistas por aí.
Especialmente dos brasileiros. Mas depois de muita reflexão, concluí que a
questão também não se refere exclusivamente a estar ou não acostumado a viajar,
mas a algo íntimo, mais profundo, algo como bom senso ou educação mesmo...
Cada vez que viajo, encontro uma
série de turistas de vários lugares do mundo, mas é impossível não notar os
brasileiros, já que temos a mesma origem.
Que fique claro que, ao dizer
isso, não acho que sou superior a nenhum deles, só acho que me porto melhor em
algumas situações (e, provavelmente, pior em tantas outras, vai saber...).
Há uma falta de educação e de bom
senso generalizada por aí. Não só entre aqueles que viajam em grupos e são
identificados como turistas à distância, mas também entre aqueles que viajam em
família, amigos, casal, etc...
Pra mim, a experiência de viajar
vai muito além de apenas visitar pontos turísticos e tirar muitas fotos
(embora, evidentemente, eu faça tudo isso...), mas representa, essencialmente,
a oportunidade de conhecer novos lugares, novas culturas, novos modos de viver.
Gosto muito de observar tudo isso, de sentir a cidade, ainda que nem sempre
seja possível agir ou me sentir como um local. Viagens, pra mim, são experiências
muito enriquecedoras, cultural e socialmente, que me fazem refletir sobre nosso
modo de vida, a sociedade em que vivemos e até mesmo sobre nossa organização
urbana ou econômica.
Em suma, há muito o que se
aprender viajando, conversando com os locais, tentando entender seu modo de
vida e sua organização social.
Mas, infelizmente, nem todos
pensam assim. Não apenas brasileiros, mas são desses que eu posso falar mais. Há
turistas que, de fato, pouco se importam com esses componentes sensoriais de
suas viagens. Normalmente, estão ali pra cumprir seu “check list”, ver tudo,
fotografar tudo, mostrar pra todo mundo que estiveram ali, comprar
lembrancinhas e, quase em qualquer lugar, fazer compras até não poder mais.
Nada contra. Eu mesma faço “check
lists” do essencial dos lugares quando tenho pouco tempo em um lugar específico
e adoro fazer umas comprinhas, mas esse nunca é o objetivo principal – ou
único, que o diga Miami! – de minhas viagens.
Não é por isso que todos deveriam
viajar como eu. Afinal, quem sou eu pra ditar qualquer coisa por aí?!
Mas me entristeço com a pobreza
sociocultural de muitos turistas – ou viajantes – por aí. E lamento a
arrogância de muitos que parecem não entender que estão fora de suas cidades ou
países de origem. Estes últimos são aqueles que comparam tudo o que veem com o
que existe ou o modo como são feitas as coisas em seu país, inclusive com
relação à comida.
Confesso que não sou dessas que
experimentam comida local com muita frequência, principalmente quando exótica,
mas quando estamos em outros países, temos que nos abrir para o cardápio local
e procurar nele aquilo que nos apraz, ou, então, arriscar um McDonalds, que
você sabe bem o gosto que tem (ou a falta dele...). Não adianta querer comer
pão de queijo, coxinha ou arroz com feijão fora do Brasil, por mais gostosos
que eles sejam... Aliás, confesso que caso a comida local seja encontrada no
exterior, a experiência, nesses casos, nem sempre é das melhores. Meu marido
mesmo arriscou comprar uma coxinha em Orlando e – minhanossasenhora! – que coisa horrível!!!
Ter saudades da comida e dos
hábitos de casa me parece normal. E isso também é um componente importante de
uma viagem: ter saudades e querer, em algum momento, voltar pra casa... Se não
tivéssemos ao menos uma mínima vontade de voltar, nas melhores viagens,
inevitavelmente, viraríamos imigrantes. :o)
Outros aspectos arrogantes – ou
ignorantes mesmo -, no meu entendimento, se referem à vontade que muitos
turistas têm de que o local que visitam adote a mesma cultura e até mesmo a
mesma língua de seus locais de origem.
Pode parecer meio besta dizer
isso, mas é impressionante o quanto, em minhas viagens, encontrei brasileiros
absolutamente indignados por ter um tratamento distinto do que têm no Brasil e
– o mais ridículo – falando em português com pessoas de língua espanhola,
inglesa, francesa e até mesmo grega, achando que seriam entendidos se
simplesmente mudassem a entonação ou engatassem uma palavrinha na língua local
no meio de uma frase com 35 outras palavras.
As experiências com a língua
sempre rendem boas risadas depois de presenciarmos esses episódios! Mas seria
tão bom nunca ter essas memórias...
O que eu quero dizer, em essência, é que a questão do
viajante e do turista é tão mais profunda que essa simples distinção rasa...
Ela envolve cultura, educação, bom senso, polidez e, até mesmo, bons modos.
Aliás, onde foram parar mesmo os bons modos daquelas pessoas
que, como eu, liam guias de viagens e procuravam aprender ao menos algumas
palavrinhas mágicas no idioma do lugar de destino, tais como “bom dia, boa
tarde, boa noite, obrigada e por favor”, com a simples intenção de ser
simpática com os locais e, assim, ser bem recebida enquanto turista?! Cada vez
menos vejo esses singelos gestos de simpatia...
Por isso, não gosto e não concordo com essa distinção entre
turista e viajante, palavras que, semanticamente, são sinônimas e deveriam ser
idênticas em sua essência.
E fico realmente triste porque, de repente, o adjetivo
“turista” parece que se tornou um xingamento... Isso não deveria ser assim, já
que, quando viajamos, somos todos pelo menos um pouco turistas. E não
deveríamos nos envergonhar disso!
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