Há algumas semanas, li um texto
do Sakamoto na Folha de São Paulo sobre o espírito bandeirante paulista e como
ele acha isso tudo babaca.
Vi alguns compartilhando e
endossando sua opinião e vi outros achincalhando...
A crítica girava em torno do
paulista se achar “a última bolacha do pacote”, melhor que os demais
brasileiros e responsável por mover a “locomotiva” que é o Brasil. E tudo
porque ele não achou legal ver alguém enrolado na bandeira do Estado de SP
durante as manifestações que começaram em São Paulo, mas que se alastraram por
todo o país no mês de Junho. No texto, ele acusava esse tipo de atitude de ser
separatista...
Confesso que em parte concordo,
mas em parte discordo da opinião dele.
Quem já conversou comigo sobre
isso sabe bem que, apesar de não gostar muito do meu exílio em Brasília,
prestes a completar seis anos (sim, o tempo voa! De Concorde!!!), eu sou muito
grata ao fato de que sair de SP me fez abrir a mente para muitas coisas a que
não temos acesso quando nascemos, somos criados, nos formamos e não fazemos nada
além de turismo fora do Estado de SP.
Sair de SP me fez conhecer
pessoas de todas as partes do país, ver que há (muita) vida inteligente fora de
SP, conhecer autores novos, doutrinas jurídicas não utilizadas no meu estado, e
isso acabou ajudando muito a baixar a bola com relação a sermos melhores que o
resto do país porque trabalhamos muito e os outros são supostamente “preguiçosos”.
Conheci muita gente, do norte,
nordeste, sul, sudeste e centro-oeste, brilhante, capacitada, que gosta de
trabalhar e, hoje, não tenho coragem de usar esse tipo de discurso. Coisa que,
sinceramente, estudar na USP com pessoas de outros Estados já havia me
mostrado, mas que viver fora de SP me fez ver com ainda mais clareza.
Mas também não consigo deixar de
reconhecer que, sim, as coisas em SP são muuuuito diferentes de muitos lugares
do país. Daí essa estranheza que faz surgir alguns preconceitos em pessoas
incautas.
Pessoalmente, vi que minha mania
de achar quase tudo em SP muito melhor que em Brasília (coisa com que quase
todos os brasileiros que conheço e até mesmo estrangeiros costumam concordar) passou
a soar como arrogância e, por isso, tento me policiar diuturnamente.
Também reconheço que, sim, fomos
criados assim. Na escola, aprendemos a importância dos Bandeirantes para o país
e isso fica incutido em nossa mente. Na vida, vemos que os serviços em SP são
bem prestados, as pessoas trabalham com seriedade, as empresas e instituições
financeiras tem suas bases de negócios lá e, por isso, o Estado é responsável
por grande parte do crescimento do país.
Mas nada disso é mentira.
Independentemente da motivação (se espírito patriótico ou puro capitalismo
selvagem), os Bandeirantes são responsáveis pela interiorização do país, o
dinheiro circula nos grandes centros do país, como SP e RJ, e há uma força
produtiva de excelente qualidade no Estado.
Isso, obviamente, não quer dizer
que não exista gente muito boa fora de SP. Há muita vida inteligente fora,
assim como muita vida pouco inteligente em SP também, afinal, temos a maior
população do país, natural que tenhamos do bom e do ruim!
O perigo, pra mim, é quando tudo
isso se transforma em arrogância pura e simples e preconceito, infelizmente
muito dirigido aos nordestinos. Não quer dizer que porque um Estado tem coisas
boas, os outros necessariamente tenham coisas ruins.
Agora, daí a ser idiota usar uma
bandeira do seu Estado já me parece um raciocínio muito forçado, embora
claramente possível, afinal, opinião, todo mundo tenha a sua, boa ou má.
Não visto a carapuça da crítica,
obviamente. Mas tenho em meu carro um adesivo com a bandeira do meu Estado sim.
Não vejo nada mal nisso...
Especialmente porque, morando em
Brasília, é muito comum vermos as bandeiras de outros estados nos carros e até
nas casas das pessoas.
Não consigo interpretar isso como
separatista, mas pura e simplesmente como uma forma de mostrar de onde a pessoa
vem e que ela se orgulha disso, “no matter what”...
Orgulho de uma identidade. As
bandeiras que mais vemos são as de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. Os pernambucanos
e os gaúchos são as “naturalidades” (posso dizer isso?) de que as pessoas mais
têm orgulho e eu, pessoalmente, acho isso muito bonito.
Por isso mesmo, quando tive que
transferir meu carro para Brasília e trocar a placa de SP pela do DF, eu e meu
marido fizemos questão de colar um adesivinho no carro pra mostrar de onde
somos e que temos orgulho disso.
Igualmente, quando viajamos, se
nos perguntam de onde somos, sempre dizemos que somos de SP, mas moramos
em Brasília. Não sou daqui. Tenho o agravante de não me identificar e de não
gostar da cidade e sei que tudo poderia ser muito diferente se eu tivesse
escolhido viver no DF e não estar aqui por circunstâncias diversas.
Como disse, sair de SP nos faz,
sem dúvida, abrir a mente para outras coisas. Nisso, concordo com as críticas
de que em SP vivemos em um mundinho e somos programados para nos achar melhores
que os outros. Fora de SP, é possível ver que nem tudo lá é bom e que não somos
melhores em tudo.
Mas também nos faz valorizar tudo
de bom de Sampa. Da cidade e do Estado. Eu, por exemplo, sempre aponto como
motivo de minha insatisfação ter tão poucas cidades ao redor de Brasília em que
se possa fazer turismo de final de semana. Claro que isso não é importante pra
todo mundo e nem todos gostam de ir à praia ou à serra como eu.
O bom e o ruim sempre vão
depender, evidentemente, de cada ponto de vista. Tudo é pessoal e muito
particular.
Mas os costumes, hábitos e o
orgulho de pertencer a um determinado lugar, a uma determinada comunidade, a
vontade de manter determinados costumes, isso jamais será algo ruim. Se fosse
assim, todos os centros de tradições nordestinas e gaúchas espalhados pelo país
seriam grandes QGs de movimentos separatistas radicais disfarçados... Absurdo?
Eu acho que sim, mas tudo depende do ponto de vista de cada um, não é?
E aí, depois de ler e refletir
sobre o texto que mencionei, minha conclusão é a seguinte: no Brasil, as
pessoas de cada Estado têm uma identidade como comunidade específica, dotada de
costumes e culturas próprias.
Mas até pelas enormes dimensões
territoriais, a “identidade nacional” dos brasileiros não é tão arraigada.
Isso é o que provavelmente faz
com que eu e quase todas as pessoas que eu conheço que realmente gostam e
acompanham futebol reconheçamos torcer mais para os nossos times do coração que
para a Seleção Brasileira. Sim, Copa do Mundo é legal e tal, mas ninguém fica
arrasado se o Brasil perder, já se o Corinthians é eliminado da Libertadores
pelo Tolima ou por uma arbitragem muito suspeita... Não é caso nem de choro,
mas praticamente de depressão profunda, trauma insuperável na vida!
E aí, quando falamos do que é ser
brasileiro, aqui dentro ou lá fora, as características que sempre surgem são:
alegria, futebol, samba, carnaval, e o malfadado jeitinho brasileiro.
Cada vez mais me convenço que o
que o Brasil tem de pior, infelizmente, fica descrito nessas características.
Claro, samba e futebol são ótimos, mas somos uma nação de que, além de
jogadores de futebol e bons dançarinos ou músicos?
O jeitinho, a vontade de levar
vantagem em tudo cada dia fica mais clara no país. Basta ver que hotéis
quadruplicaram os preços de suas diárias durante a Copa das Confederações e
isso, além de virar notícia, pegou super mal para um país em que tudo já custa
muito caro!
Claro que se pode argumentar que
preços variam conforme a demanda. Mas a demanda foi tão alta assim? Esse tipo
de coisa é razoável? Pra mim, é oportunismo...
E posso dizer que, sob o meu
ponto de vista, não é só esse oportunismo mercantil o problema. Na verdade,
acho que o buraco está muito mais embaixo, no âmago do ser do típico
brasileiro, o “homem médio”, jargão usado e abusado no meio jurídico.
Nos jogos da Copa das
Confederações a que fui o que não faltaram foram maus exemplos. É gente furando
fila, achando que se deu bem porque entrou com instrumento de som, o que era
proibido nos estádios, vendendo mercadorias falsas, vendendo mercadoria onde
não era permitido, etc, etc, etc...
Não tenho dúvidas de que tudo
isso tem milhares de explicações. É a falta de emprego, a informalidade do
mercado de trabalho, a própria situação de miserabilidade de alguns brasileiros...
Mas, em alguns (muitos) casos,
acho que a questão é mesmo de falta de educação e de civilidade!
Até quando vamos ficar
apresentando desculpas e causas para tudo isso? Nada será feito pra mudar a
péssima cultura do jeitinho brasileiro?
Levar vantagem em tudo é mesmo
bom? Ganhar dinheiro sem trabalhar ou trabalhando pouco ou fazendo algo ilegal
é realmente uma grande vantagem? Pode parecer em algum momento, mas nada disso
dura pra sempre. E quando a pessoa tiver que se virar de outro jeito, vai ter
condições?
E quando não tiver jeito, o
Estado vai ter que se preocupar, além de tirar a pessoa do estado de
miserabilidade (que é o mínimo que se espera do Estado...), com a sobrevida de
quem não tem mais condições de se virar por aí?
É esse tipo de nação que
queremos? É uma população dependente, desqualificada e preguiçosa? Até onde
isso pode levar um país?
Por tudo isso que, sim, hoje eu
me identifico mais à identidade do meu Estado que à identidade nacional que
vejo por aí (pelo menos, sob o meu ponto de vista, claro). Não quero estar
minimamente relacionada à concepção de que se dar bem a qualquer custo (e, às
vezes, às custas dos outros) é o melhor a fazer.
Prefiro estar ligada à concepção
daqueles nerds que só estudam e se matam de trabalhar a vida inteira e passam
horas no trânsito caótico de casa pro trabalho todos os dias, porque o valor do
trabalho e da dedicação me é muito caro.
Não digo com isso, de forma
alguma, que tenho vergonha de ser brasileira. Mas juro que o jeitinho não me dá
nenhum orgulho... O jogo de cintura sim, eu admiro a forma do brasileiro
encarar tudo com leveza e conseguir se virar de qualquer jeito, em qualquer
lugar do mundo (inclusive no Japão, sem falar uma palavra em japonês, não é,
nação corinthiana?).
E confesso que senti um grande
arrepio quando, no jogo Brasil x México, em Fortaleza, a multidão que estava no
estádio continuou cantando o hino nacional, após o corte dos 89 segundos. Me
emocionou. Considerando o momento turbulento por que o país passava naquele
momento, minha interpretação foi a de que aquelas pessoas estavam expressando
seu orgulho de serem brasileiras naquele momento e que não admitiriam que um
símbolo como o nosso hino fosse cortado assim, sem mais nem menos.
E nos outros jogos em que estive,
Brasil x Itália, em Salvador, e Brasil x Espanha, no Maracanã, senti o mesmo
orgulho e um arrepio ainda maior. Ainda mais quando cantamos novamente o hino
nacional no meio do jogo.
Espero, sinceramente, que isso
seja reflexo de orgulho, mas que também sirva de reflexão, que toda essa
movimentação sirva para uma rediscussão dessa “identidade nacional” forjada e
para uma reconstrução da sociedade, pois somente com isso, extirpando de vez o
jeitinho brasileiro, é que seremos uma nação respeitada no mundo e teremos
muito orgulho de ser brasileiros.